Friday, October 7, 2011

Sobre a delinquência juvenil colectiva

Olho para as últimas notícias que nos chegam da ilha mítica e recordo as primeiras notícias sobre a violência urbana na Cidade da Praia que nos chegavam em Portugal na primeira metade da década que agora finda: lutas entre gangs rivais e "kasu bodi". Aqui, na Cidade da Praia, a nova fornada de grupos de delinquentes juvenis auto-intitularam-se thugs, nome com que ficaram conhecidos. Em Mindelo, curiosamente, esta denominação não fez moda. Resta saber se o fenómeno da delinquência juvenil colectiva em São Vicente tem as mesmas características tribais que o da Praia (pelo menos entre a segunda metade dos anos noventa - o começo com grupos de repatriados - e o início da segunda metade dos anos dois mil), já que, tal como disse-me há dias o antropólogo Lorenzo Bordonaro, nunca a violência é gratuita. Talvez esta dúvida leve-me a uma nova empreitada no seio dos grupos de jovens delinquentes, agora no Mindelo. Quanto ao fenómeno da Cidade da Praia, afirmei e continuo a afirmar que, embora, a delinquência juvenil grupal ainda existe (na verdade ela existe desde os anos 80), as características encontradas no terreno estão em processo de redefinição.

No terreno, encontrei grupos heterogéneos sustentados pela delinquência, pela solidariedade, pela convivialidade, pela música (rap) e pela pertença comunitária e territorial. Estas características transforma-os em tribos urbanas funcionando como uma associação juvenil. Dei conta que se é verdade que são agentes da violência, também é verdade que são vítimas, visto que, o poder político e social, ao posicionarem-se como os principais reprodutores da violência, não lhes deu alternativas a não ser responder de forma violenta. Na verdade, ela apresenta-se como forma de empoderamento juvenil numa sociedade desigual onde as oportunidades, não obstante a retórica política, é igualmente desigual. O contacto com alguns jovens repatriados dos EUA enriqueceram o seu imaginário, o consumo de modas norte-americanas via novas tecnologias e as histórias dos jovens viajados acerca dos acontecimentos observados/vivenciados na terra do Tio Sam reforçaram a adopção deste estilo de vida.

Apesar da violência tornar-se numa questão social, problema social, para depois entrar na agenda política, ficou-se pela costumeira retórica, apesar de algumas acções de cosmética e txapa txapa à boa maneira cabo-verdiana. Pelo menos algumas associações tentaram fazer algo, com menor ou maior sucesso, onde destaco as acções da ACRIDES na Achada Grande Trás. Na prática, a cooperação política e social na luta contra a desigualdade social - a principal causa do fenómeno - está por fazer, o preconceito partidário e bairrista persiste dificultando o consenso, o estado de impunidade no seio daqueles que tem acesso a bens continua e com tendências crescentes, as políticas públicas faladas continuam a ser pensadas down/top e os jovens ainda são vistos e tratados como um corpo indisciplinado, irresponsável e perigoso, logo, a ter de ser controlado pelo sistema e sujeitos a endoutrinamentos vários, salvo em épocas de eleições onde são convidados a prostituírem-se. O pior é a política de reurbanização, que consiste no aquartelamento da classe com posses em bairros distintos, está para durar, reproduzindo inconscientemente, o passado escravocrata e colonial - sobrados/funcos -, o que poderá incentivar novas formas de delinquência mais aprimoradas e violentas. Sei, programa "kaza para todos". O mesmo erro dos EUA e Europa. Desterritorialização dos problemas sociais... pessoas a serem educadas para viverem em edifícios verticais.

No comments:

Post a Comment