Monday, May 7, 2012

Gangs mindelenses

(entrada da rua que dá acesso à sede dos Black Enemy)

Quando se estuda o fenómeno da delinquência juvenil de uma cidade pequena, o ideal é procurar um dos sítios mais altos da cidade e observar a organização urbana. É um começo. Na Praia, foi só subir, fotografar e filmar a cidade em cima do Monte Babosa para dar conta da reprodução histórica sobrados/funcos. No Mindelo, o Alto Fortim não é um dos melhores postos de observação, mas ajuda a compreender alguns factores e perspectivar o futuro caso não se tome algumas medidas. Também, a geografia das duas cidades são diferentes. Enquanto na Praia temos vários centros e várias periferias (embora o Plateau continua a ser o centro simbólico), no Mindelo, persiste ainda, a nível geral, a clássica ideia da Escola de Chicago centro/periferia. Contudo, nas duas cidades, se notam descontinuidades nos padrões de ocupação espacial, ou seja, não existe uma segregação urbana nitidamente marcada e não há uma separação física entre os segmentos sociais, a não ser em alguns bairros mais recentes. Nota-se, em um mesmo bairro, espaços que abrigam extremos da pobreza e riqueza, onde se concentra uma enorme diversidade de modos de vida, discursos e práticas. Mas, a tendência é o crescimento das polaridades a nível da cidade e não somente a nível comunitário, em processo mais acelerado na Praia com o surgimento, por exemplo, de bairros como Jamaica e Inferno em contraste com os projectados Palmarejo Grande e Monte Babosa.

(tag da gang Black Enemy, mais os nomes dos membros)

A delinquência juvenil colectiva no Mindelo é uma realidade. Ainda não existem tantos grupos como na Praia, mas acredito que a tendência é crescer. Estão em várias zonas, normalmente um por cada zona, no entanto, penso que brevemente irão se multiplicar. Ao contrário dos thugs da Praia, que iniciaram à volta dos grupos gangsta rap (a segunda geração), na cidade pasa sabi, ao que parece, a actividade nada tem a ver com o rap e, praticamente, não há nenhuma relação gangs juvenil/grupos rap (não existe gangsta rap no Mindelo, pelos menos por agora), salvo o caso dos Black Enemy da Bela Vista, inicialmente um grupo rap. Diz-me Rokus que os novos grupos nem sequer sabem como tudo começou. Trata-se de pura moda e afirmação pessoal, social e territorial numa ilha parada, onde o desemprego juvenil atinge proporções abismais (nem é preciso os números do INE para ver-mos isso. Basta ir à periferia). Segundo alguns jovens, existia no bairro da Bela Vista a discoteca Flórida, onde o colectivo rap Bairro Turbulent eram os senhores da noite e havia por aí uns putos que queriam ser um dia rappers tal como os heróis do bairro. De vez em quando eram convidados a subir ao palco com os poetas da rua nas feiras do bairro e foi assim que nasceu o grupo baptizado Black Enemy. Há nove anos. Com o passar do tempo deixaram para trás a música e mergulhados na incerteza do futuro, conforme foram crescendo e ganhando confiança, lembravam-se de algumas humilhações sofridas no passado e as brigas com os jovens de outros bairros começaram a surgir. O grupo tinha presença e os outros jovens quiseram agrupar-se também. Surgiram assim os 100% Cova da Cova Monte Sossego, o gang Odju Burmedju da Pedrera, o gang Kebrada junta aos Black Enemy na Bela Vista, nasce o Pinctha Andor na Ilha da Madeira (maltas que inicialmente cantavam e dançavam kuduru nas actividades mindelenses. Albergaram ex-crianças de rua), o BBH no Fernando Pau/Ribeira de Craquinha, o gang Tchetchénia na Tchetchénia, RB na Ribeirinha e, ultimamente, gang Estrela em Chã de Alecrim e uns outros tantos mais pequenos e pouco conhecidos. Disseram-me que devido aos conflitos internos, alguns elementos estão a formar novos gangs dentro do mesmo bairro (aproximando da realidade praiense). Estes novos são os mais perigosos porque querem ter fama e ser respeitados como os outros. Dizer que o grupo mandou alguém para o hospital é uma forma de ganhar respeito no bairro e na cidade mergulhada no medo. A nível das rivalidades territoriais, alguns grupos fundem-se para combater outras coligações. No caso da zona da Cova, já foi avisado que os belavistenses não são ali bem vindos, independentemente de fazerem ou não parte dos Black Enemy ou BBH (mais uma aproximação à realidade praiense).

(cartaz promocional de homenagem a Alpina)

Sem dúvida que a situação explodiu com o assassinato de Tucim e de Alpina no final de 2009 e início de 2010. O que torna mais violenta estas mortes é que elas não são feitas com armas de fogo (como acontece na Praia). Alpina foi barbaramente assassinado à pedrada. Desfiguraram-lhe a cara que nem a mãe o reconheceu, diz-me Mirú. O grupo mostra-se chateado por não haver ainda condenações e amanhã prometem organizar uma homenagem em associação com os Bairro Turbulent. Dizem que não pretendem vingança, mas que estão prontos para responder às provocações dos grupos rivais. Como dizem, na Bela Vista mandamos nós. Actualmente, cinco Black Enemy's estão presos e os Bairro Turbulent têm dois rappers dentro (um por homicídio). Embora estes segundos sejam um grupo de rap e não de delinquentes, muitos dos seus membros já passaram pela cadeia, incluindo MC Seiva. É o caso mais próximo da realidade da Praia que encontrei, onde um grupo associado a actos delinquentes proporciona segurança ao grupo rap da comunidade. Reparei que muitos desses grupos juvenis são os tradicionais grupos de "maltas" das esquinas dos bairros e que a falta de oportunidade, a desigualdade social, a exclusão social, entre outros factores, levou-os a enveredar por um caminho sinistro e quase sem volta. Ainda preservam os comportamentos do associativismo ou dos grupos informais juvenis, visto que, organizam várias vezes campanhas de limpeza e actividades recreativas nos seus bairros (fazem parte do grupo "mandinga" do bairro). Queixam-se das falsas notícias que saem sobre eles na comunicação social, imputando-os acções não perpetuados por eles, sobretudo no que tange ao tamanho dos jovens envolvidos (guardam pedaços de jornais, onde se destaca o semanário Já, como prova das barbaridades jornalísticas proferidas sobre eles. A notícia que me mostraram sobre o assalto militar de uma zona lembrou-me o célebre arrastão na praia de Carcavelos em Lisboa em 2005) e da polícia pela forma como aborda alguns jovens desses bairros. Para eles, a actuação violenta e discriminada da polícia nalguns casos, tem contribuído para o surgimento de novos grupos ou a associação de crianças e jovens sem perspectivas futuras aos grupos já existentes (tipo: n ka fazê nada i n levá, agora n ti ta fazê). Assumem-se como grupos de jovens que por não terem nada que fazer, passam a vida a confraternizar, a ver telenovelas e a andar à porrada quando são atacados. Obviamente, os grupos não são homogéneos e uns são mais violentos que outros, o que quer dizer que este post é baseado, por um lado, da conversa informal com os Black Enemy's durante algumas horas e, por outro, dos relatos dos rappers e de alguns residentes na periferia. Tal como na Praia, grupos como BBH possuem uma academia do crime (gangs de crianças) que conforme os skills podem ou não entrar mais tarde no gang titular e não podem ser associados aos grupos kasu body, embora, reconheçam que alguns indivíduos costumam cometer assaltos à mão armada. Os grupos possuem um código de honra que é respeitado por todos e estão bem estruturados, se bem que tendem a negar a existência de uma hierarquia (na verdade, nos grupos de thugs da Praia essa hierarquia é mais visível).

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