Friday, October 5, 2012

Pobreza urbana... Cidade da Praia

(casa de lata/papelão na Achada Grande Frente)

A pobreza em Cabo Verde há já algum tempo que deixou de ser um problema exclusivamente rural, tal como é descrita nos relatórios oficiais. Ela é actualmente um fenómeno urbano com tendências para suplantar a pobreza rural, tanto na dimensão como na intensidade. O programa de luta contra a pobreza falhou redondamente, visto não ter conseguido melhorar as condições de vida no campo. Jordi Estivill, ex-consultor da OIT para Cabo Verde, num seminário académico intitulado "Políticas Internacionais e Instrumentos de Apoio ao Desenvolvimento Económico e à Protecção Social nos Países Pobres" na Universidade Nova de Lisboa, confessou-me em privado a tristeza sentida quando verificou que nas ilhas (nos finais de 90 e início de 2000), o PNLP, ao invés de servir como uma política pública inclusiva das populações mais vulneráveis do mundo rural, serviu como um mecanismo de enriquecimento de alguns funcionários camarários e sub-empreiteiros. Acabou-se com as FAIMO, mas não se vislumbrou alternativas.

(chefe de família)

Como resultado desse falhanço, não só não se estancou o êxodo rural, como fez aumentar a pobreza urbana, transportado do campo para a cidade. Fenómenos casas de lata e/ou papelão tem-se multiplicado na Cidade da Praia (e noutras ilhas, com especial destaque no Sal, Boa Vista e São Vicente) e a tendência é termos num futuro não muito longe, bairros de grandes dimensões construídos exclusivamente com esse tipo de habitação (já uma realidade no Sal, Boa Vista e São Vicente, embora, de pequena dimensão). Existe o programa "Casa Para Todos". Neves disse no debate para as legislativas que tal como diz o nome é para todos. Pode ser, no entanto, a senhora da foto, migrante do Fogo, não faz parte desse todo. Vive numa casa de lata/papelão na Achada Grande Frente com quatro filhos menores. A casa tem uma cozinha/sala, um compartimento onde guarda os poucos bens e um quarto. Não tem casa de banho (e se tivesse, da torneira iria sair um líquido de cor estranho, impróprio para consumo, como aquele que há um ano a ELECTRA tem brindado a população deste bairro e de outros tantos da cidade - e o país é moderno, com saneamento básico etc e tal). Quando chove, dizem as vizinhas, é um deus nos acuda.

(dois dos quatro filhos)

É assim com ela, mas na igual situação estão milhares de famílias em todo Cabo Verde. A cosmética pode esconder uma realidade, mas não a consegue esconder para sempre. Como venho dizer há algum tempo, o país real é outro. Contudo, o candidato Vicente e uns tantos outros ligados às máquinas partidárias e candidatos a alguma coisa, só agora deram conta de tanta pobreza. Ela sempre esteve lá. Pois, agora estamos em campanha. Pena que rapidamente irão esquecê-la. É só sentar o traseiro nos gabinetes climatizados do Parlamento ou do Palácio da Várzea. A culpa desta situação (se podemos falar de culpa) é principalmente do MPD. O PAICV não soube resolvê-la e acabou por consolidá-la. Não me venham agora falar de estratégias de luta contra este flagelo, visto terem estado lá vinte anos (dez anos cada) e ao invés de melhorem a situação pioraram-na. Depois, quando falamos de delinquência juvenil, a culpa é posta nos jovens e seus familiares. Ponham mas é o dedo na consciência.

(o quarto)

A chefe desta família vive com os tais cinco mil escudos que Neves regozija ter dado aos pobres. E resolve o problema? Nem sequer ameniza-o. Devemos e podemos fazer mais e melhor, mas para isso devemos descentralizar a implementação das políticas públicas. Existe nos bairros associações comunitárias com vontade e com pessoas capazes para trabalhar em projectos pela inclusão. É só o governo e as Câmaras Municipais trabalharem em rede com elas e, sobretudo, financiá-las. O problema é que os partidos sufocam-nas através de terrorismos ideológicos, lançando uns contra os outros. "Mesti muda" sim, mas de mentalidade. Dos dois lados. Caso contrário, continuamos a "sta ta muda" para o lado inverso. E o problema de facto virá mais tarde... o que vivemos hoje é apenas um esboço daquilo que virá se não mudarmos de filosofia.

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