Tuesday, January 3, 2012

Mindelo

(vista do Alto Fortim)

Mindelo é linda, quer dizer, Morada é linda. Lembra-me alguns centros portugueses. É limpa, organizada e agradável. Locais de convívio há-os aos montes. Os mendigos e os loucos fazem parte do cenário (se bem que os doentes mentais diminuíram, dizem devido ao espaço criado na Vila Nova para os albergar). Muitos turistas e emigrantes a passear pela cidade e a superlotar os bares e restaurantes. Questiono-me sobre a subsistência do sector de restauração em épocas outras, visto que, segundo o discurso de muitos nativos, dinheiro ka ten e a maioria desses espaços não são propriamente para a classe popular. Pela primeira vez na vida vi um serviço de transporte urbano organizado e a funcionar em Cabo Verde. Continuem assim...

(bairro da Bela Vista)

Saindo do centro, o cenário é bem diferente. Muita pobreza e desigualdade social. Bairros de lata, cidade cinzenta igualada à minha cidade capital, pontas de esquinas cheios de jovens e crianças ta kosa obu (o que explica em parte fenómenos emergentes). Do governo só ouvem falar na televisão da Praia (como diz uma das letras da malta do HipHopArt). Uma cidade parada foi o que encontrei. Soube do senhor Mirú (um sãovicentino militante da Nation of Islan com enorme influência na periferia, sobretudo no seio dos jovens - rappers e gangs juvenis emergentes) que um empresário e presidente de um clube de futebol deve quatro meses de salário a uma mãe de família. A mulher passou a ceia natalícia sem nada e os filhos só não procuraram o dito empresário para resolver a peleja porque ele responsabilizou-se a falar com o homem, disse-me Mirú. No entanto, o dito cujo não apareceu nem sequer deu cavaco. A senhora ganha seis mil escudos por mês, portanto, são apenas vinte e quatro mil escudos. Depois admira-se que a delinquência esteja a aumentar no Mindelo. Culpados os há e não são somente os jovens. O capitalismo gangster adoptado nos anos 1990 e consolidado nos anos 2000 dá nisso. Dizem alguns que Mindelo foi colonizada pelos "badios". Não concordo. Se formos sério, deixarmos o bairrismo de lado e analisarmos o peso regional no poleiro chamado Governo Lda - com as suas conglomerações públicas - veremos que a maioria dos cargos de chefia estão na mão dos "sanpadjudus". Ao invés de descentralizarem as políticas públicas para as suas ilhas, enchem o próprio bolso e os da clã. Poderiam muito bem fazer o inverso. Apostar na criação de emprego nas vilas e cidades periféricas em relação à Praia em vez de trazer os familiares e amigos para preencher postos e afins na cidade capital. De certeza, Mindelo sairia do marasmo em que se encontra. Aos escribas na emigração, venham sentir o pulsar do país, o seu quotidiano, antes de escreverem poemas sobre o asfalto e o betão reproduzidos pelas imagens da televisão controlada e estórias de jovens quadros no poleiro.

(em frente do Pont D'Água)

Foi o empreendedorismo científico exploratório que me levou desta vez ao Mindelo. Tentar perceber dois fenómenos urbanos: o movimento hip hop e a delinquência colectiva juvenil. O primeiro bem consolidado e o segundo em crescimento. E voltarei porque o tempo foi muito curto, embora enriquecedor. Desde já um obrigado ao colectivo HipHopArt, especialmente aos rappers Bacthart, Aloísio, DJ Letra, GG, o colectivo Bairro Turbelent, o beatmaker Rockus, a gang Black Enemy e todos aqueles cujos nomes esqueci, pelo passeio no Mindelo underground. Bom mesmo seria ver os investigadores (e seus aspirantes) da ilha mítica a explorarem esses fenómenos urbanos, uma vez que, estão em casa. Depois seria as trocas de informações e de interpretações...

P.S. A literatura claridosa criou o mito da cabo-verdianidade, longe de África, perto da Europa, somente atlânticos (do norte) ou macaronésia. A interiorização dessa ideia foi erradamente reproduzida por uma certa elite, auto-pensada superior, mas a base popular nunca foi na conversa e, actualmente, os jovens muito menos. Muito mais do que em Santiago, em São Vicente, a cultura afro-descendente é vivida fervorosamente no movimento rastafari, no carnaval, no fenómeno mandinga e nas demais manifestações culturais e populares. Um paradoxo... diz-me Bacthart.

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